Do que falamos quando falamos de cães ditos Pitbull? Ou melhor do que falam o Correio da Manhã e o Miguel Sousa Tavares quando falam de cães ditos Pitbull? Falam do mal que encarnou. Do mal absoluto que tomou a forma de um animal com uma cabeça grande – se for preto, melhor ainda.
Sucede que, como escreveu uma grande pensadora do século XX, o mal, ao invés de absoluto, é banal, diário, burocrático. O mal é a ausência de pensamento. E o pensamento, bem como a marca da sua ausência, são exclusivamente humanos.
O que nós, na União Zoófila, temos visto ao longo dos anos são animais ditos Pitbull brutalizados e explorados até ao limite das suas forças.
Ela é apenas o exemplo mais recente.
Ela, ainda não tem nome, foi encontrada dentro de uma barraca. O homem que a explorava foi-se embora e deixou-a lá.
Mas, antes, ela pariu e pariu e pariu e pariu e pariu e pariu e pariu e pariu e pariu e provavelmente o homem vendeu-lhe os cachorros a cinco euros cada.
Para além dela, na barraca, sem comida e sem água, foi deixada uma das filhas, também acolhida na União Zoófila e também ainda sem nome.
Elas podiam – que dizemos? elas deviam! – ser o mal absoluto que tomou forma. Mas, (não) lamentamos (nada) desiludir o Correio da Manhã e o Miguel Sousa Tavares, são apenas duas cadelas muito jovens, a mãe há-de ter sido posta a render logo no primeiro cio, e amistosas. Talvez até excessivamente amistosas. Porque estar perto delas é correr o risco de ser soterrado com lambidelas.
Elas não são o mal. Elas são vítimas da ausência de pensamento. E da falta de intervenção séria, sistemática e coerente das forças policiais, da comunidade, dos políticos e dos autarcas no combate aos maus tratos e abandono dos animais em Portugal.
É muito mais fácil demonizar alguns deles.
Elas estão disponíveis para que as conheçam na União Zoófila. Tenham medo, muito medo, porque elas podem saltar-vos para o colo.
Elas estão disponíveis para apadrinhamento e ficarão muito em breve disponíveis para adopção. Por gente capaz de pensamento e juízo moral próprios.