Ora, cá vai mais um contributo para a série ‘Cães adultos que esperam em canis ou resgatados das ruas não se adaptam. Conta-me outra.’
O nome dela é Maria Chocolate. Foi deixada na rua. Era um corpo pequeno e frágil no grande mundo, com carros a acelerar e gente a correr de um lado para o outro. Ninguém olha para baixo. E era em baixo, bem rasteira ao chão, que ela estava.
O medo é uma coisa poderosa. Nas pessoas e nos outros animais. Faz-nos reagir de modos inesperados. O medo transforma-nos no que não somos. O medo transformou a Maria Chocolate num corpo em fuga, que evitava qualquer toque.
Não é fácil apanhar um corpo feito de medo. É preciso paciência, resistência à frustração de estar quase e perder mais uma vez, capacidade de repelir a ideia da inevitabilidade do fracasso e força para afastar a imagem de um corpo morto debaixo de um automóvel. E a antecipação da culpa.
Não foi fácil apanhar a Maria Chocolate. Foram horas e horas. Foram estratagemas: ‘Tu vais por ali e tu por acolá e se ela aparecer baixa-te e rasteja lentamente até ela.’
Não foi fácil mas, desta vez, foi feito. E a Maria Chocolate foi acolhida no abrigo da União Zoófila. E, dois ou três dias depois, o corpo feito de medo revelou-se um corpo jovem, brincalhão e amistoso. Era a verdadeira Maria Chocolate.
Mas dois ou três dias depois, a esgana declarou-se no abrigo da União Zoófila. Foi na Primavera do ano passado. E o vírus apanhou a frágil Maria Chocolate.
Tratámos dela e dos demais. Ela sobreviveu sem sequelas. E a Maria Chocolate foi adoptada.
Digam-lhe que ela não se adaptou à casa, ao conforto, à segurança e ao afecto. Digam-lhe a ela e digam-nos a nós, a ver se nos importamos. O que importa é o que aqui está. Não frases feitas.
Os cães adoptados em canis e associações ou resgatados das ruas têm uma história, isso é verdade. Mas ter uma história, ter vivido, ter sobrevivido, ter lutado, não é defeito, é uma extraordinária qualidade.
Maria Chocolatinho, toma lá abraços e toma lá beijinhos de todos os amigos que fizeste na União Zoófila e que não te esquecem.
Família da Maria Chocolate, tomai lá muitos abraços e beijos também!
Não compre, adopte!
Adopte com responsabilidade e ponderação. Para sempre. Há milhares de animais à espera em associações, canis municipais e nas ruas.